A ação de piratas preocupa cada vez mais quem opera o transporte aquaviário na região Norte do Brasil. A forma de atuação das quadrilhas se repete na maioria das ocorrências: os criminosos se aproximam do alvo em embarcações pequenas e rápidas; são violentos ao anunciar e praticar o assalto; com pressa, mas sem maiores obstáculos, retiram carga e equipamentos (veja, abaixo, vídeo com um flagrante de um roubo no Pará). No meio da mata, em trechos pouco povoados – e com dificuldade de comunicação – tripulação e passageiros ficam reféns da ação dos bandidos, e torcem para que a violência não os torne vítimas ainda mais graves da criminalidade. Os piratas, por sua vez, contam com a cumplicidade da mata fechada e do traçado acidentado de rios e afluentes e fogem, quase sempre impunes.
O número de ocorrências não está consolidado na região, mas sabe-se que os prejuízos são milionários. Cálculos da Fenavega (Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária) apontam que, em 2015, os transportadores perderam cerca de R$ 100 milhões em produtos e equipamentos roubados das embarcações. “É um problema grave, trágico e é uma constante. As tripulações chamam a região de Somália brasileira, tamanha a quantidade de ocorrências. Tem empresas de menor porte que estão pensando em parar de navegar”, diz o presidente da entidade, Raimundo Holanda. A referência ao país africano se deve ao fato de aquela região ser conhecida, desde a década de 1990, pelos ataques piratas a navios mercantes. Na região amazônica brasileira, os principais alvos, segundo o presidente da Fenavega, são o rio Amazonas, entre Manaus (AM) e Belém (PA), e o Madeira, entre Manaus e Porto Velho (RO).
Nos ataques mais graves, os bandidos fazem reféns, agridem as vítimas e até mortes já foram registradas. Em um dos casos mais recentes, em setembro deste ano, um homem de 47 anos perdeu a vida ao ser baleado em um ataque pirata contra uma embarcação no arquipélago do Marajó, no Pará.
“Eles são muito violentos, e há duas modalidades: a de assalto a embarcações de passageiros e barcos de pesca e a de assaltos a balsa”, relata o delegado Dilermando Dantas Júnior, diretor do Grupamento Fluvial de Segurança Pública do Pará, o Gflu – órgão criado pela Secretaria Estadual de Segurança em 2011. Ele conta que a ação contra balsas que carregam produtos é a mais comum. “A balsa é mais lenta, mais fácil de ser abordada. Às vezes vêm até crianças em pequenas rabetas, prestando atenção se tem segurança a carga que está sendo transportada. E aí voltam com as informações para os criminosos, que depois chegam de forma violenta”, conta.
Nas cargas, os produtos mais visados são derivados de petróleo (diesel e gasolina) e eletroeletrônicos. “Já chegamos ao ponto de os piratas desacoplarem a balsa de um comboio com três milhões de litros de combustíveis. E tem os equipamentos da Zona Franca de Manaus. Os bandidos pegam uma barcaça transportando 40 carretas de eletroeletrônicos e levam tudo o que puderem. Chegam com armamento pesado e a tripulação não tem como reagir”, diz Holanda. “Como não existe combate efetivo, eles estão se armando e se profissionalizando cada vez mais, enquanto não tem uma ação forte do Estado”, complementa Holanda.
A criminalidade também impacta diretamente nas negociações com clientes, já que a vulnerabilidade do transporte à ação dos piratas reduz a confiabilidade da atividade. “Clientes migraram para outros modais, empresas seguradoras aumentaram seus valores para cobertura ou desistiram de fazê-la”, relata o presidente do Sindarpa (Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial e Lacustre e das Agências de Navegação no Estado do Pará), José Rebelo III. Conforme a entidade, entre junho de 2015 e junho de 2016, operadores do transporte aquaviário no estado, ligados ao sindicato, registraram prejuízo de R$ 2 milhões com cargas, combustíveis e equipamentos de embarcações levados pelos piratas.
Pesquisa
Levantamento feito pelo Sindarpa junto a associados que foram alvo dos piratas apresenta um quadro da situação vivenciada pelos transportadores. Em 87% dos ataques, os criminosos estavam em embarcações rápidas. Em 88% não foi possível perceber ou ser informado sobre a ação dos bandidos com antecedência. Em 86% dos casos, a polícia não chegou ao local do acidente. Em 14%, levou mais de 12 horas.
As próximas reportagens abordarão a mobilização dos transportadores para enfrentar o problema, medidas que podem ajudar a coibir os roubos e as respostas dadas pelas forças de segurança para combater e investigar os crimes contra o transporte aquaviário.
Fonte: Caminhoneiros do Brasil