Um erro no exame toxicológico – o popular exame do fio de cabelo – exigido para renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) custou o emprego do motorista Charles Wagner de Carvalho Vieira, 50 anos, que está sem poder trabalhar desde 14 de março. O teste é obrigatório para motoristas das categorias C, D e E da CNH desde o dia 2 do mesmo mês, em cumprimento à lei federal 13.103. Diante da análise positiva para uso de cocaína, Charles exigiu a contraprova, cujo resultado deu negativo.
Nesse meio tempo, foi demitido da transportadora onde trabalhava. Ele está processando o laboratório pelo dano sofrido. De acordo com o Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR), este foi o primeiro caso em mais de 15 mil processos em que a prova e a contraprova apresentaram conclusões divergentes.
Sem renda
Charles se mudou para Piraquara no começo de março, com esposa e dois filhos, vindo de Alagoas, após conseguir emprego em Curitiba. No Nordeste, trabalhava como motorista autônomo com sua carreta particular, mas a crise o levou a procurar um serviço fixo. No dia 14 do mesmo mês, sua CNH venceu, e ele apertou o orçamento para pagar os R$ 350 do exame toxicológico.
“Quando fui levar o resultado para a médica do Detran e ela disse que deu positivo para cocaína, fiquei desesperado, pensei: ‘não é possível um negócio desses’. Eu não uso droga, não tomo remédio de tarja preta nem nada. Aí pedi para passar pela junta médica do Detran e fui atrás do laboratório”, conta.
Em contato com o laboratório Sodré, que fica em Marília (SP), Charles foi informado que teria de pagar novamente para que a contraprova fosse realizada. “Eu liguei e falei ‘pelo amor de Deus, eu pago aluguel, não tenho dinheiro, eu vou pra São Paulo acampar na porta de vocês’. Só não paguei a contraprova porque briguei com eles. Foi uma humilhação.” O segundo exame, com resultado negativo, será analisado hoje (1º) pela junta médica do Detran, e só daqui a uma semana Charles receberá a nova carteira e poderá voltar a trabalhar.
Sem trabalho
“Meu patrão me demitiu porque ele não podia ficar me pagando sem eu trabalhar, com carteira vencida. O antigo emprego já era, já botaram outro no meu lugar”, lamenta Charles. Há mais de dois meses sem renda, ele está numa situação financeira complicada. “Quero divulgar o meu caso porque sei que mais pessoas estão tendo problema”, justifica. O laboratório foi procurado pela reportagem, mas não deu retorno até o fechamento desta edição.
Quanto ao antigo trabalho de Charles, juridicamente não há nada que se possa fazer, de acordo com o secretário de negociações do departamento jurídico da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Paraná (Fetropar), Jaceguai Teixeira. “Não tem como exigir nada ainda, a única coisa que dá pra fazer é processar o laboratório. Essa é uma lei recente, que pegou todo mundo de calça curta. Nós estamos entrando com uma ação pra ver se derrubamos ou modificamos essa lei, vários trabalhadores estão perdendo o emprego por causa dela. Além de tudo, o exame tem um custo muito alto”, diz.
Como proceder?
O coordenador de habilitação do Detran-PR, Farid Gelasco, explica que o órgão não tem nenhum controle sobre o resultado dos exames toxicológicos, que são sigilosos. Segundo ele, o laboratório lança o laudo diretamente na plataforma do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), e o médico do Detran somente tem acesso a ele durante o exame de aptidão física e mental (o popular exame de vista).
“Se o candidato não concorda com o resultado do exame toxicológico, de aptidão física e mental ou psicológico, ele tem direito de passar por uma junta médica do próprio Detran, que tem autonomia para alterar o resultado do exame anterior diante de uma contraprova”, explica. Para a segunda análise, não há outra coleta de material. O novo exame toxicológico é realizado com uma amostra reserva, que é colhida justamente para casos de contestação de resultado.
O coordenador explica que o caso de Charles teria sido resolvido com mais rapidez se ele houvesse solicitado a contraprova ao laboratório antes de comparecer ao exame de vista. “Antes de apresentar um resultado com o qual você não concorda, peça a contraprova, não precisa apresentar um laudo equivocado para a gente.” O que contribuiu para a demora foi a questão da junta médica, marcada para 18 dias após a solicitação do motorista. Segundo o órgão, caso Charles não houvesse comparecido ao exame de vista com o resultado errado, não teria sido considerado inapto, e sua carteira seria liberada diante da apresentação da contraprova negativa.
Único caso
Desde o dia 2 de março, o Detran-PR já registrou 15.195 processos de habilitação com exame toxicológico. Apenas 45 foram considerados inaptos. “Desses 45, sabemos extraoficialmente que 12 pediram contraprova. Somente o Charles teve o segundo resultado negativo após o primeiro resultado positivo”, conta o coordenador de habilitação, Farid Gelasco. A orientação do Detran é que os motoristas iniciem o processo de renovação da carteira de 45 a 60 dias antes do vencimento, para não terem tanto prejuízo em caso de equívocos e problemas.
Fonte: Blog do Caminhoneiro