Quando uma criança nasce a família vira vidente: “Esse vai ser médico”, “Esse vai ser engenheiro”. Mas o amor que vem de berço é o amor de caminhoneiro.
O tempo voa e, uma hora, o sonho de menino vira realidade. O pneu encosta no asfalto, a paixão fala mais alto e o barulho do motor vira um grande amor. A partir daí, não tem parada. A vida acelera e o motorista conquista a estrada.
Só quem vive sentado, de joelho dobrado e com o sol do lado sabe o valor que tem cada quilômetro rodado. A jornada não é fácil, não dá para negar. Mas, apesar da saudade e da pressão, nada é tão importante para o nosso Brasil quanto a sua profissão.
Motorista, pode contar com a ZF para rodar sempre com segurança e qualidade. Afinal, a gente também sabe que não existe outra profissão tão boa a ponto de fazer você trocar a sensação de liberdade.
Hoje, ao contrário do que acontecia no passado, os fabricantes de caminhões se preocupam em investir cada vez mais em tecnologia embarcada tanto para oferecer segurança quanto trocas de informações para que a condução seja eficiente, confortável, segura e, principalmente, econômica. Transmissão automatizada, freio motor, dispositivos, sensores, painel multimídia, bancos e volantes com múltiplas regulagens, sistema de rastreamento e agora a conectividade, são os principais itens disponibilizados hoje nos caminhões.
Quando comparado há alguns anos, o atual cenário do transporte rodoviário de cargas mudou muito, assim como muitas regras que regem o setor. A carta-frete perdeu espaço para o pagamento eletrônico de frete, o tempo de direção e descanso do condutor passaram a ser obrigatórios através da falada Lei do Motorista (mesmo que não seja cumprida à risca) e a oferta de frete chega até o carreteiro na tela do seu smartphone. Isso tudo sem contar que cada vez mais se fala na chegada do caminhão autônomo dentro de alguns anos.
Diante de tantas mudanças, o perfil do motorista também sofreu alterações. Se antes ser carreteiro era sinônimo de liberdade, oportunidade de conhecer lugares e pessoas diferentes, vivenciar diversas situações a cada parada e ser reconhecido como herói; hoje esse profissional passou a ter horários e roteiros a serem seguidos. E mais, sempre vigiados pelos sistemas de rastreamento, embora as transformações não tenham trazido, ainda, mais valorização ao motorista.
Assim, as transformações estabeleceram um contraponto. De um lado, o setor de transporte oferece veículos mais confortáveis e seguros e leis que – ao menos no papel – parecem garantir os direitos do motorista. Do outro, sobram reclamações da falta de condições e suporte adequados para usufruir dessas ferramentas modernas e realizar um bom trabalho na estrada.
O autônomo Fábio Lourenço, 38 anos de idade e 11 de profissão, é de Pernambuco e viaja na rota São Paulo e Nordeste. Ele acredita que ser carreteiro já foi sinônimo de liberdade, havia mais oportunidades de frete e a profissão era mais valorizada. Hoje, opina, o carreteiro lida com a insegurança, com frete baixo e horários determinados. “São muitas regras e exigências a serem cumpridas”, diz, acrescentando que as mudanças trazidas pela evolução foram positivas, trouxeram veículos com tecnologias que garantem mais segurança e conforto, mas por outro lado esqueceram do motorista. “Somos vistos como marginais. Temos a ferramenta, mas sem condições adequadas para trabalhar”, conclui.
Também houve mudanças no perfil do motorista de caminhão, conforme observa o gaúcho de Ijuí, José de Jesus Ferreira do Nascimento, 54 de idade. Para ele, que dirige como empregado e viaja por todo o Brasil e também pelas rotas do Mercosul transportando autopeças, hoje o perfil do carreteiro é muito diferente de quando ele entrou na profissão, 18 anos atrás. Explica que atualmente é importante estar atualizado, fazer cursos, conhecer as tecnologias dos caminhões e, cumprir horários, além de viver vigiado 24 horas.
“Antes existia a paixão. Para trabalhar com caminhão bastava aprender a dirigir e não existiam tantas regras e cobranças. No entanto, por outro lado algumas mudanças como a lei do tempo de direção e as tecnologias embarcadas dos veículos foram positivas, trouxeram mais segurança e conforto para o motorista”, explica. Em sua opinião, falta agora apenas a valorização da profissão para que volte a sentir aquela paixão que havia no início da sua carreira.
Para quem pretende iniciar na profissão, José faz um alerta e diz ser importante estar consciente de que ser carreteiro é muito mais do que dirigir caminhões modernos. Acrescenta que hoje a atividade implica em ter horário controlado, menos liberdade, ficar longe de casa e ganhar o mesmo que ganha motorista de carga urbana, além de estar sujeito a assaltos.
As tecnologias incorporadas aos veículos, ao setor e as legislações fizeram surgir um outro tipo de motorista, observa o autônomo Abimael Almeida, de Taboão da Serra/SP, 42 anos de idade e 15 de profissão. Ele faz a rota São Paulo-Minas Gerais, transportando embalagens para cosméticos e reforça que para ser um bom profissional é importante estar atualizado, fazer cursos, se inteirar das novas leis e regras.
Abimael chama atenção também para a questão do estado geral de conservação do caminhão e destaca a regulagem do motor para evitar as emissões de gases na atmosfera. “As empresas analisam tudo isso na hora de oferecer um frete. E abrir uma empresa e dar nota fiscal também faz toda a diferença. Gera uma relação de confiança entre a contratante e o contratado”, alerta.
Reconhece que as mudanças foram positivas, porque antes o motorista era mais livre, mas ele não tinha leis que o resguardavam e nem veículos confortáveis e seguros para trabalhar. “Claro que ainda falta a valorização da profissão, mas posso dizer que esse novo perfil do motorista é muito mais profissional”, concluiu.
Para o carreteiro Júlio Isiquiel, 38 anos de idade e 10 de profissão, de Panambi/RS, algumas mudanças foram positivas para o motorista. Ele cita como exemplo a questão da lei do tempo de direção que trouxe mais segurança para a estrada. “Muitos falam que a profissão perdeu a liberdade, que antes os motoristas decidiam aonde parar e em qual horário. Hoje o rastreador controla toda a jornada e a lei nos obriga a descansar. Como posso achar ruim algo que traz benefícios como o aumento da segurança? Um motorista descansado tem menos risco de provocar um acidente”, afirma.
As tecnologias dos caminhões recebem avaliação de Isiquiel. Ele defende que os tempos são outros e que o motorista hoje não pode apenas ser um condutor, pois é necessário saber operar os veículos de maneira eficiente. “É importante fazer cursos e treinamento para estar cada vez mais alinhado as novidades”. Ele manda um recado para aqueles que pretendem ingressar na profissão, que é preciso ter consciência das dificuldades do dia a dia e não apenas se encantar com os caminhões.
José Nildo, 42 anos de idade, 15 de profissão, de Campinas/SP, viaja por todo o País e acredita que apesar de toda a pressão sobre os motoristas, os avanços do setor trouxeram benefícios a profissão. Ele destaca os horários obrigatórios para descanso e os caminhões mais confortáveis e seguros. “As tecnologias que chegaram nos ajudam no dia a dia”, admite.
Ele cita como exemplo o rastreador como um bom aliado dasegurança. “Mas os motoristas têm que mudar o pensamento. Hoje é preciso se atualizar, fazer cursos, cumprir horários de entrega e de descanso. Não dá mais para manter o perfil de antigamente”, reconhece. Mas assim como os demais carreteiros, Nildo acredita que apesar de muita coisa no setor ter melhorado falta ainda condições adequadas de trabalho para o carreteiro.
Para o catarinense de Xaxim, Itacir Gomes Santos, 51 anos de idade e 27 na profissão, antigamente o caminhão não era confortável, não tinha ar condicionado e nem freio motor, mas garante que se sentia valorizado em todo o lugar onde parasse. “Era gostoso trabalhar, viajar pelo País me fazia bem. Conheci lugares e fiz amigos, mas com o passar do tempo tudo mudou e a paixão acabou”, lamentou.
No entanto, reconhece que algumas coisas como as tecnologias nos caminhões e as leis que regulamentaram a profissão melhoraram a atividade. Mas acredita que hoje falta paixão pela profissão, tanto para os que estão ingressando, quanto para quem já tem bastante tempo de experiência. No seu caso, em particular, diz que se sente desvalorizado e trabalha apenas por necessidade. “O triste é que o jovem que ainda ingressa nessa área também é por necessidade, não por paixão”, opina.
Para Itacir, faltam condições para o motorista usufruir todas as boas mudanças que aconteceram. Em sua opnião, o pedágio é uma ação ação positiva para a conservação das estradas, porém lamenta que existem falham em relação ao suporte oferecido aos motoristas. “As concessionárias deveriam oferecer estacionamento para o carreteiro parar, descansar e cumprir com segurança o que diz a lei de tempo de direção”, sugere. Saudosista, ele recorda que no passado as empresas se preocupavam com o motorista, algumas até ofereciam alojamento. “Hoje tem muito caminhão, muita tecnologia e profissionalização, mas esqueceram da peça chave, o motorista”.
O ano começou com o anúncio de resultados negativos obtidos em 2015 sobre 2014 no licenciamento de caminhões (-47,7%) e nas vendas de implementos rodoviários (-45%). O desempenho fraco, porém, não parou por aí, como mostram outros indicadores. Entre janeiro e abril de 2016, o fluxo de veículos pesados nas rodovias concedidas à iniciativa privada diminuiu 4,9% sobre o mesmo período de 2015. É o que aponta o Índice ABCR, divulgado pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias. Porém, o pior retrato da recessão econômica, agravada pela crise política que culminou no afastamento da presente Dilma Rousseff, é o desemprego. Em abril, havia no Brasil 11,1 milhões de desempregados, volume que cresceu três pontos percentuais quando comparado ao primeiro trimestre de 2015, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Entre os milhares de desempregados, há muitos caminhoneiros. Sondagem informal do programa Pé na Estrada entre seguidores do Facebook dão uma indicação do problema. Muitos responderam a um post sobre desemprego no trecho, apontando que estão à procura de uma oportunidade. A maioria é formada por carreteiros experientes, com anos de estrada e cursos de qualificação no currículo, como MOPP, direção econômica, de transporte de passageiros e outros. “Sou de Araxá (MG) e está faltando serviço de carreteiro”, relata Denis Wilson Borges. Ele completa dizendo que fez de tudo e não deu nada. “E olha que tenho um currículo de dar inveja, com mais de sete cursos pelo Sest-Senat”, acrescenta.
Além de não contratar, muitas empresas estão demitindo. Só em um sindicato, o Simtratecor – entidade que representa motoristas e trabalhadores de empresas de transporte de carga em 15 cidades próximas a São Paulo – são realizadas de 20 a 25 homologações de recisão de contrato de trabalho por dia desde o início deste ano. “Antes, a gente tinha empresas que todo dia pedia currículo de caminhoneiro, agora o que temos é caminhoneiro mandando currículo”, diz Carlos Olivares, secretário de esportes, lazer e promoção social do sindicato. Ou seja, se antes faltavam motoristas, hoje sobram candidatos em busca de uma recolocação.
Carlos disse que o sindicato oferece cursos em diversas áreas para os dependentes dos associados, mas nos últimos meses tem notado que alguns carreteiros também estão interessados em se qualificar em outras profissões. “É um pessoal com mais idade, já acima dos 50 anos, que busca se especializar em outras áreas, como refrigeração e mecânica de autos e de motos”, diz acrescentando que em 19 anos de sindicato é a primeira vez que ele presencia uma situação como a atual.
“A coisa está feia. Outro dia, uma só empresa desligou 12 motoristas. A justificativa das empresas, segundo o sindicalista, é a perda de contratos, baixa no faturamento e ociosidade de mão de obra. O jeito é reduzir custos. O próprio sindicato, que tem sede em Osasco, foi obrigado a cortar gastos. Das três subsedes que mantinha, fechou uma e adiou planos de abrir outra. “Vamos esperar que dê um arrefecimento e as empresas voltem a contratar”, conta.
Na maioria das vezes, a demissão é o último recurso. Ninguém quer se desfazer de mão de obra qualificada, com muitos anos de casa, mesmo porque é preciso arcar com multas rescisórias, que pesam no caixa da empresa. “A pior parte é quando você vai fazer a recisão”, afirma visivelmente emocionado o microempresário de São Paulo, Márcio Barbosa. Segundo ele, o faturamento vem caindo desde o início do ano passado até chegar a cerca de 60% em maio deste ano. Com este resultado, ele foi obrigado a tomar decisões de contenção de custos, sendo a mais drástica ter de demitir três motoristas de uma só vez.
Para pagar os direitos trabalhistas, Márcio vendeu um caminhão Iveco Tector. De cinco veículos que tinha em meados de 2015, atualmente está com dois. “Já tinha passado por outras crises, mas esta está muito difícil. Está ruim demais. Nunca fiz tanta demissão na minha vida. É muito ruim você ter de desfazer das coisas que batalhou tanto anos para conseguir”, diz. Do quadro de funcionários ele ficou com apenas um motorista. No dia em que concedeu esta entrevista, o empresário teria uma reunião para discutir os trâmites de uma concorrência. Se fechasse o negócio poderia voltar a contratarr, além de manter o único funcionário que restou, o Tony.
Funcionário com 12 anos de empresa, o Tony, apelido do motorista Antonio Marcos da Silva, 34 anos de idade, estava em um momento de grande ansiedade por não saber se continuaria empregado ou se seria mais um a engrossar as estatísticas do IBGE. “Nunca passei por isso”, afirma. Pai de três filhos menores, incluindo um bebê, ele transpirava preocupação e disse que a mulher também estava agoniada. Agonia, aliás, tem sido um estado de espírito presente em muitas famílias brasileiras que dependem do caminhão.
Tony e a esposa torcem pela recuperação da economia, assim como o patrão dele, o secretário do sindicato, além deste jornalista que escreve, os outros motoristas entrevistados, e os milhares de cidadãos brasileiros. “Só queria que os políticos parassem de pensar em si próprios e pensassem no povo”, diz Márcio, com a esperança de que vai recuperar o que perdeu.
A esperança, como diz o ditado, é a última que morre. O baiano de Itabuna, Túlio Santos, jamais a perdeu. Aos 38 anos de idade, casado e pai de dois filhos – de 10 e 6 anos de idade – ele ficou seis meses fazendo bicos, procurando emprego e torcendo para ser chamado. No dia 19 de abril, finalmente foi contratado por uma empresa para a qual havia enviado currículo em janeiro. O salário, no entanto, é um pouco mais baixo, confirmando uma queda no rendimento do brasileiro, conforme pesquisa do IBGE. “Eu trabalhava no truck e ganhava mais, agora me colocaram no caminhão leve, com o salário menor, mas como estava parado não posso questionar”, reconhece.
Frear o desemprego é uma das principais missões do Ministério da Fazenda, mas o ministro da pasta, Henrique Meirelles, já avisou que o resultado não é imediato, vai levar um tempo ainda. Em um de seus pronunciamentos, fez analogia com um veículo em alta velocidade em que o motorista pisa no freio, mas roda ainda por vários metros até parar de vez. Traduzindo as palavras do ministro, o desemprego atual é como um bitrem carregado na descida. Precisa agir rápido, mas com calma. Primeiro se tira o pé do acelerador, aciona o freio motor e depois o freio de serviço. Só então se para com segurança, bem mais à frente.