“Rapaz, eu desconfio de todo mundo. Do cara que toma café do meu lado, de quem me pede uma informação no posto e até de você, com esse bloquinho aí, já estou desconfiando. Quem me garante que você é jornalista mesmo e não está aqui para roubar meu caminhão?”
Quem fala é o caminhoneiro Evanil Domingues, 54, sentado no banco do motorista de sua carreta, em um posto de serviços cheio de caminhões em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Evanil estava indo para Fortaleza carregado de materiais eletrônicos -uma das cargas mais visadas, segundo as transportadoras.
Para tentar evitar assaltos, caminhoneiros vigiam até a sombra. Só param em postos grandes e movimentados, evitam passar por rodovias mais perigosas durante a madrugada, andam em comboios e não gostam de revelar o que transportam.
“Vem uma pessoa, toma um café com você, começa a te fazer perguntas sobre sua carga, você conta. Depois, na rodovia, ela te fecha e leva tudo”, explica Evanil.
“Não é nem atenção 100%. É tensão mesmo. Você acha que todo mundo quer te roubar”, lamenta o motorista, que há sete anos foi assaltado em uma estrada na divisa entre Sergipe e Alagoas.
Na ocasião, ele também carregava uma carga de equipamentos eletrônicos.
Foi fechado por uma caminhonete e rendido por bandidos armados. Os ladrões levaram sua carga enquanto ele ficou horas amarrado, com um revólver apontado para a cabeça. O caminhoneiro foi largado em um terreno baldio no interior de Alagoas.
Depois, teve de provar que ele não tinha nenhuma participação no roubo de que foi vítima. “Quando assaltam um caminhoneiro, ele vira o principal suspeito.”
A polícia e uma seguradora enviaram agentes para investigar sua vida: entrevistaram parentes, vizinhos e amigos de Osasco, cidade onde mora na Grande São Paulo.
“Ninguém está nem aí para o caminhoneiro, para o trauma que ele passou, só pensam na carga e no dinheiro perdido”, diz Evanil.
COMBOIO
Alexandre de Oliveira, 41, quase passou por experiência semelhante. Há cinco meses, dirigia pela rodovia Fernão Dias, de madrugada. Um carro tentou fechá-lo e um homem armado gritou para ele encostar. “Minha sorte é que eu estava num comboio e o caminhão atrás ameaçou bater no carro”, conta. Com medo, o assaltante desistiu.
O comboio é uma estratégia que motoristas usam para tentar evitar abordagens. Dois ou mais caminhoneiros se encontram por acaso na estrada e passam a andar juntos, um atrás do outro, para inibir assaltantes. “O bandido fica com medo, porque quem vem atrás pode atropelar”, diz Alexandre.
Josias da Silva, 52, explica outra: “Na estrada, se o caminhoneiro der passagem duas ou três vezes e o carro atrás não ultrapassar, certeza que vai ter assalto. Quando isso acontece, paro no primeiro posto que tiver “, explica.
Para passar a noite em postos, diz, caminhoneiros costumam parar os veículos bem próximos um do outro, e em filas. A ideia é atrapalhar que um possível ladrão consiga sair dirigindo facilmente.
Paulo Roberto de Souza, assessor de segurança do sindicato das transportadoras de São Paulo, diz que as empresas têm investido cada vez mais em monitoramento por satélite para rastrear as cargas mais valiosas. “Se sair da rota, já é possível saber que foram roubadas e acionar a polícia”, explica ele, que é coronel aposentado do Exército.
MENTIRAS
“Eu minto quando perguntam o que estou levando”, diz Francisco da Silva, 37, que já teve uma carga de eletrônicos roubada também na Fernão Dias. “Falo que estou carregado de papel higiênico.”
Há cinco anos, o caminhoneiro Alex Ribeiro, 35, foi parado após fazer uma entrega em São Miguel Paulista, bairro na zona leste de São Paulo. Um criminoso, armado com uma pistola, perguntou qual era sua carga. “Ovo de galinha”, respondeu Alex.
O homem não acreditou. Mandou Alex abrir o caminhão. “Se for ovo de Páscoa, você está fodido”, ameaçou o ladrão. Não era mentira -o criminoso não levou nada.